Caiu um frio estranho sobre Lisboa, não há neve como gostaria que houvesse, mas pequenas partículas geladas são suficientemente inteligentes para entrar e congelar o que eu digo serem os meus pulmões.
O frio foi indiferente no início, aliviante até, um anestésico perfeito para quem se achava doente. Durou o suficiente para me fazer arrefecer, para me arrepiar e sentir falta de um abraço ou apenas de um cobertor. Até que começou a doer; o nó que se enrola na garganta quando estamos atrapalhados ou envergonhados, que cora a cara e não deixa as palavras sairem como deve ser, gelou. Tornou-se este frio desconfortável a pouco e pouco.
É noite e, parece que as nuvens estão chateadas com o céu porque mal chego à pequena estação de Entrecampos, os relâmpagos aparecerem repentinamente, surgem agora como pequenos flashes que fazem as velhinhas dar pequenos gritinhos, enquanto sussuram umas com as outras, dizendo: "Jesus, Nosso Senhor", não sendo culpa delas o facto de não compreenderem que o básico dos fenómenos de electricidade. A chuva também arrefece porque é fria, já os relâmpagos por coisa nenhuma...
O frio agradável que tocava as minhas mãos escaldadas pelo peso das malas, agora fá-las adquirir um tom esbranquiçado e fantasmagórico. O meu rosto perdeu as rosas que tinha antes de me ter sentado no banco gelado da estação de comboios.
O mesmo frio parace gelar calmamente o meu foco de raciocínio, dou por mim a pensar naquilo que se chama nada, se é que tal coisa existe de facto e, um vazio arrepiante instala-se na estação de comboios. Percebo então que o gelo criou uma película semi-opaca entre mim e o resto. Resto talvez seja uma palavras demasiado dura para se chamar àquilo que estou a pensar. Já não oiço o barulho dos comboios nem o frenesim das pessoas apressadas por chegar a casa. Apetecia-me tocar com as pontas dos dedos nessa superfície correndo o risco de ficarem coladas. Mesmo com medo que se quebrasse , que se estilhasse e me rasgue a pele, gostava de correr esse risco. Não faço primeiro porque não tenho coragem e depois porque em pequena me ensinaram a "não brincar com o fogo". Percebo que afinal não gosto assim tanto deste frio e as minhas convicções mudam nesse momento, convicções e desejos.
Concluo assim, que queria ainda um pouco de calor para derreter esta espécie de janela de gelo. A janela tornou as ideias mais desfocadas, as cores como borrões e as pessoas as minhas à minha volta, que já eram desconhecidos são agora uma espécie de aliens vestidos em tons escuros.
Achava que a agradável faceta do frio ia ajudar a mudar coisas que nunca mudam. Achava que o frio me ia ajudar a tomar decisões. Enganei-me. Achava que esse calor ia durar para sempre. Agora que vejo o que é o frio, o quente torna-se muito mais apelativo. Achava que podia viver sem o calor e sem o frio, nem um nem outro, preciso dos dois. Do quente para sentir que estou viva, do frio para perceber o quão bom é o quente.
Secalhar andei este tempo a pensar que andava a brincar com o fogo quando na realizade o que me queimava era uma pedra de gelo, daquelas tão frias que queimam tanto como queima o fogo.
É como diz a música "Não vejo a hora de voltar lá para dentro, faz frio cá fora. Faz tanto frio cá fora, que eu já não vejo a hora"
Daniela. 23 de Novembro de 2011, num dia especialmente frio.