Wednesday, October 24, 2012

"Escrever é ter a companhia do outro de nós que escreve."

Vergílio Ferreira.

Demoras.

O amor nos condena: 
demoras 
mesmo quando chegas antes. 
Porque não é no tempo que eu te espero. 

Espero-te antes de haver vida 
e és tu quem faz nascer os dias. 

Quando chegas 
já não sou senão saudade 
e as flores 
tombam-me dos braços 
para dar cor ao chão em que te ergues. 

Perdido o lugar 
em que te aguardo, 
só me resta água no lábio 
para aplacar a tua sede. 

Envelhecida a palavra, 
tomo a lua por minha boca 
e a noite, já sem voz 
se vai despindo em ti. 

O teu vestido tomba 
e é uma nuvem. 
O teu corpo se deita no meu, 
um rio se vai aguando até ser mar. 

Mia Couto, in " idades cidades divindades"

Thursday, October 18, 2012


Quantas vezes, Amor, me tens ferido?
Quantas vezes, Razão, me tens curado?
Quão fácil de um estado a outro estado
O mortal sem querer é conduzido!

Tal, que em grau venerando, alto e luzido,
Como que até regia a mão do fado,
Onde o Sol, bem de todos, lhe é vedado,
Depois com ferros vis se vê cingido:

Para que o nosso orgulho as asas corte,
Que variedade inclui esta medida,
Este intervalo da existência à morte!

Travam-se gosto, e dor; sossego e lida;
É lei da natureza, é lei da sorte,
Que seja o mal e o bem matiz da vida.

                        Bocage
Às vezes encontramo-nos, costuma ser por acaso ou quando o de acaso não tem nada. Prefiro as vezes que nos encontramos por acaso. Das vezes em que acaso não há nenhum, não te encontro, acho que te procuro.   Às vezes encontro-te por acaso e não passas de um brilhante poema, outras em que te procuro não passas de cansaço.
"O que há em mim é sobretudo cansaço — 
Não disto nem daquilo, 
Nem sequer de tudo ou de nada: 
Cansaço assim mesmo, ele mesmo, 
Cansaço. 

A subtileza das sensações inúteis, 
As paixões violentas por coisa nenhuma, 
Os amores intensos por o suposto em alguém, 
Essas coisas todas — 
Essas e o que falta nelas eternamente —; 
Tudo isso faz um cansaço, 
Este cansaço, 
Cansaço. 

Há sem dúvida quem ame o infinito, 
Há sem dúvida quem deseje o impossível, 
Há sem dúvida quem não queira nada — 
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles: 
Porque eu amo infinitamente o finito, 
Porque eu desejo impossivelmente o possível, 
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser, 
Ou até se não puder ser... 

E o resultado? 
Para eles a vida vivida ou sonhada, 
Para eles o sonho sonhado ou vivido, 
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto... 
Para mim só um grande, um profundo, 
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço, 
Um supremíssimo cansaço, 
Íssimno, íssimo, íssimo, 
Cansaço... 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
Heterónimo de Fernando Pessoa

Monday, October 8, 2012

Queria dizer-te que.

"Queria dizer-te que ... Ah esquece!"


Saturday, October 6, 2012

Um pouco ou um bocadinho.

Se descobrir algum tipo de metafísica no meu coração envolvida num pedaço de papel congelada com azoto líquido, faz de mim um pouco ou um bocadinho humana?

Daniela.